terça-feira, 28 de novembro de 2023

Anestesia

 

Os dias passam sem qualquer fulgor. Fico tentando resgatar o desejo, mas tudo dentro de mim soa inerte.

A plegia se instala. Quero lembrar quando e como começou. Quero saber se é químico ou anímico.

O tempo é indiferente. Por vezes já quis que ele se apressasse, por vezes já quis que ele se detivesse. Agora da tudo no mesmo, porque o amanha é a reescrita do hoje. Me esforço para conduzir meus pensamentos e não deixa-los que me levem ao abismo. Faço planos que não se perfazem e os dias passam comigo jogada num lençol manchado.

Tento ser objetiva e não deixar perdurar o ônus. Mas é tudo sem sentido, sem ânimo, sem entusiasmo. E nada mais chato que uma vida morna.

Será que eu esperei de mais? Será que eu pedi de mais? Será que se eu tivesse obtido o que gritei, teria sido diferente?

Será que esse é o normal? Dias bons, dias ruins? Tenho a exigência de dias insólitos. Talvez eu não tenha compreendido ainda a natureza da alma. Talvez eu seja mesmo uma adicta que ainda não aprendeu a viver em simplicidade. Mantenho em mim a índole da coca, a ânsia, a impaciência, o clímax, o esplendor e o extremo.

Desordem

 

Os sentimentos são confusos. Não é possível distinguir o que faz parte do transtorno e o que faz parte da vida, distinguir o real do imaginário. É uma batalha de perguntas internas e sem respostas, é preciso do outro para que se consiga ver o discernimento. Mas não há outro, so você mesmo.

Esse emaranhado de sensações se resume em uma palavra: frustração. Tem pessoas que tem domínio sobre seus sentimentos, chegam a parecer frios, tudo superam. Sei que eu não sou assim, não tenho essa equilibrio e fico por dias e dias degustando aquele sentimento. Mas sei como ela passa – palavras. Quando consigo me expressar, extravasar o que esta dentro de mim e ver pelos olhos do outro aquela situação que desencadeou tudo, é como se meu corpo se transpusesse e tudo passa a fazer sentido e, assim, tenho de volta a estabilidade.

Ele (singular). Tem extrema relevância na minha vida. Relevancia em grau hard. É o possuidor de todas as minhas emoções, o que tem total domínio de me deixar em êxtase ou em violência, em graça ou em melancolia. Mas quem deu esse poder? Minhas expectativas, com certeza. Malditas expectativas, e elas planam na estratosfera.

Já pensei em codependencia. Minha vida gira em torno dele, tudo que faço, tudo que penso, tudo que planejo. Seria falta de amor próprio? Acho que não. Descartei essa hipótese. Sou extremamente independente.

Então seria egoísmo. Ah, isso conheço bem. Ele é o auge do egoísmo. Mas no meu caso é um egoísmo atípico, não posso nivelar. Eu quero tudo em intensidade, e essa potencia não se acomoda somente dentro de mim, precisa ser compartilhada. Acabo sobrepondo à ele essa reserva.

E também tem o trágico egocentrismo. E para que o mundo, se não é para que ele gire ao meu entorno? Afinal é o meu mundo! Mas em um relacionamento, quem entra no mundo de quem? como comportar esses dois mundos em um só? Vou ter que retomar a frustração. Meu prazer esta em dar prazer. Será que me sinto tão áureo e pujante, invejando (ou admirando) a magnificência de Deus, que minha busca está em ser o garantidor da felicidade dele? Não é tão divino assim. Eu quero proporcionar a plenitude, mas isso não sai de graça. Logo, é luciferiano. Espero a recompensa, com uma palavra, um gesto, um olhar. E nem sempre fico saciado, espero que tenha mesma atitude comigo. Mas aí já em um paradoxo psíquico. Algo que eu exijo mas não quero. Gosto de dar, isso me satisfaz. Não gosto que façam por mim. Gosto, acho, mas não tem a mesma paridade de força. A falta de carinho me incomoda, a falta de atenção me angustia, mas o excesso repugna.

Entao por que dar algo que não foi pedido? Isso até sufoca. Vou ter que retomar o egoísmo. Mas daqui um pouco.

Preciso desenredar o que me trouxe incômodo. Sim, o fato de se referir à ex. Questiono por que falou sobre aquilo, questiono a quantidade de vezes que vamos pra cama, questiono a idade, a andropausa, o tesao por mim, o tesao por outras, a rotina, a mesma fenda. Mas também questiono a postura e a falta de amparo e envolvimento com a minha dor. Questiono a negação ao meu clamor. E, novamente, surge a frustração, ou decepção, não sei a diferença entre elas. Eu esperava compreensão e um pedido de desculpas, esperava exprimir o que estava me asfixiando, e não tive nada disso. Não sei, como sempre acontece, se estou certa. Nem todos lidam com os problemas da mesma forma que eu. Ele tem um sistema de simplesmente deixar para o universo, tudo passa num copo e numa tela, e, pronto, quando abriu os olhos, esta tudo resolvido. Não posso exigir que tenha o mesmo meu comportamento. Mas por que so eu devo entender a atender? Essa submissão não me machuca mas me torna displicente. E isso acaba comigo, porque devo estar sempre imersa, o raso eu repudio.

E do nada, tudo perde o sentido. Acaba o encanto pelo nascer do dia, por uma musica que mexe com a gente, pela estrada, por um bom sexo, por uma compra ou se perder por instantes em um livro. Tanto faz. Qualquer coisa, tanto faz. Tudo fica morno, fraco, tedioso. Domino isso, é a chegada da depressão. Minha vida fica mergulhada na insensibilidade e na indiferença.

Ou não é depressão. É só um ato de renuncia. Será que disputo por algo sem propósito? Não me refiro ao amor, desse tenho convicção. Me refiro a lutar por algo que não exige isso, como buscar a virtuosidade de algo que já é virtuoso. Por vezes exaurem-se as queixas, e mais uma vez questiono se elas fazem sentido. Pra mim fazem, naquele momento. No minuto seguinte, já se esvaiu.

E do nada, tudo ganha sentido. Volta o brilho, a leveza, a intensidade, o desejo, a vida. Parece que nada aconteceu, aquele entorpecimento que oxidava lenta e profundamente é como se nunca tivesse existido. Esse é o grande duelo do bipolar, as emoções são sempre vividas no seu ímpeto, sentimos em overdoses.

As vezes da vontade de entregar um manual pra ele pois seria tao fácil lidar comigo usando apenas o interesse e algumas poucas palavras. Mas imagina um manual de 1000 paginas em mandarim! Confesso, não sou fácil. Tem varias pessoas dentro de mim, cada uma quer algo, um pouco de tudo, em tempos diversos, sem sintonia.