domingo, 4 de fevereiro de 2024

Complacência

 Aquele sacrilégio já percorreu todo meu corpo por dias sem fim.  Cada lembrança vem em flash e vai rasgando a pele, alucinando os pensamentos. Não só revivo cada momento como crio novos cenários, a certeza do incerto se perpetua e cria raízes tão solidas, que em um minuto estou completamente convencida de que aquele deslize agora foi premeditado e intencional.

Quem agiu, agiu sem a culpa. Não há qualquer sintoma de reconsideração, de arrependimento. Ou sim pode ter havido, e não ter sido exteriorizado. Não posso ignorar a conversão de atitudes.

A remissão de um pecado é consequente de uma reflexão que vem de uma introspecção profunda. Ela está no meu controle, eu tenho o poder de decidir se aquela aversão continuará me perturbando.

Mas eu questiono o fato de ser ou não necessário o reconhecimento do desacerto daquele que foi causador da dor. Eu posso perdoar alguém que não suplicou o perdão se pensar que aquela ação foi atuada sem medir as consequências, visando apenas a satisfação de um prazer imediato, uma necessidade de atender seus impulsos. O impulso é impensado, pode ser detido, sem dúvida, mas as vezes não há tempo para isso. Tambem é um ato de egoísmo extremo, é voraz. É incomplacente.

Penso em todas as formas que dao sustentação e possam redimir quem transgrediu ao meu amor. Não posso desconsiderar que houve conversão, ao menos nada agora mais é explícito. Só que isso, em vez de me serenar, aumenta minha descrença. E entro numa infinidade de indagações.

Preciso dissipar meu espírito. Não há concretude em nada, so nos meus pensamentos. Mas volto a tempos bem pouco distantes, e questiono os motivos. Motivos evidentes, e que eu conheço. Inevitabilidade da conquista, subjugada em seu íntimo. Conceituo como falta de autoconfiança e reinvindicação de segurança, mas esta, no meu caso, que não posso transportar a todos.

Devo me concentrar neste instante. Nada está manifesto e postulações so me farão ter que continuar suportando o que me inquieta. “viva e deixe viver!”

 

 

 

 

 

 

 

sábado, 6 de janeiro de 2024

Abdução

 

De repente chega um pensamento. E ele te leva abruptamente. Cercando, inundando e em segundos você já esta submerso nele. A partir desse ponto, a única ânsia é fugir, mas para todo lado, so existem muros. Cada porta que se abre, leva mais para o abismo, e você se afasta cada vez mais da realidade. As ideias se rompem a todo instante, legitimando toda narrativa.

Me sinto estranha, fora do meu corpo, como se eu tivesse uma visão extra dimensional, mas sem conseguir voltar, porque minha mente esta afogada de delírios. Eu tenho consciência de que esses pensamentos não são reais, mas eu não consigo voltar.

Eles difundem-se, e, como uma trepadeira, precisam se agarrar em algo para se disseminar. Em instantes todos aqueles muros estão cobertos por ela. Começa com uma única inquisição, e então pronto, a duvida está cravada. Duvida que era uma convicção ontem. Mas agora tudo parece se dissolver e nada é tao perfeito assim, nada é tao bom assim, nada é tao completo assim.

Ainda bem que isso já aconteceu, ou melhor, ainda bem que isso nunca aconteceu.

domingo, 17 de dezembro de 2023

SPH

 

Nao foi para aliviar a dor. Não havia qualquer dor. Era a procura por uma conexão, um resgate, reviver um embalo íntimo do passado. Um prazer totalmente egoísta, mas todo prazer é egoísta.

Conseguiria o que eu buscava? Por algumas horas sim. Mas aquilo não teria fim e depois eu passaria a remoer os piores sentimentos da minha vida. Isso ainda seria fácil de lidar, mas seria muito mais trágico. A volta da dor constante, do desejo desapoderado, da dissolução, da desolação.

E por que o risco? Autossuficiência. Duas doses de impulso. Ímpeto. Não se avaliam as consequências, porque elas não se transfiguram naquele momento. Mas o final não é lúdico, traz a culpa e o remorso. E sem ela não vem senão a promessa.

O remorso fica dias a fio. O pensamento perturbador, os questionamentos, a vergonha, o constrangimento. Não se consegue olhar nos olhos de ninguém, porque parece que ali você enxerga seu próprio julgamento.

Seguir em frente, isso não vai se perpetuar. Mas pra isso é necessário haver mudanças concretas. Sem deslizes. Sem devaneios. Um dia de cada vez.

terça-feira, 28 de novembro de 2023

Anestesia

 

Os dias passam sem qualquer fulgor. Fico tentando resgatar o desejo, mas tudo dentro de mim soa inerte.

A plegia se instala. Quero lembrar quando e como começou. Quero saber se é químico ou anímico.

O tempo é indiferente. Por vezes já quis que ele se apressasse, por vezes já quis que ele se detivesse. Agora da tudo no mesmo, porque o amanha é a reescrita do hoje. Me esforço para conduzir meus pensamentos e não deixa-los que me levem ao abismo. Faço planos que não se perfazem e os dias passam comigo jogada num lençol manchado.

Tento ser objetiva e não deixar perdurar o ônus. Mas é tudo sem sentido, sem ânimo, sem entusiasmo. E nada mais chato que uma vida morna.

Será que eu esperei de mais? Será que eu pedi de mais? Será que se eu tivesse obtido o que gritei, teria sido diferente?

Será que esse é o normal? Dias bons, dias ruins? Tenho a exigência de dias insólitos. Talvez eu não tenha compreendido ainda a natureza da alma. Talvez eu seja mesmo uma adicta que ainda não aprendeu a viver em simplicidade. Mantenho em mim a índole da coca, a ânsia, a impaciência, o clímax, o esplendor e o extremo.

Desordem

 

Os sentimentos são confusos. Não é possível distinguir o que faz parte do transtorno e o que faz parte da vida, distinguir o real do imaginário. É uma batalha de perguntas internas e sem respostas, é preciso do outro para que se consiga ver o discernimento. Mas não há outro, so você mesmo.

Esse emaranhado de sensações se resume em uma palavra: frustração. Tem pessoas que tem domínio sobre seus sentimentos, chegam a parecer frios, tudo superam. Sei que eu não sou assim, não tenho essa equilibrio e fico por dias e dias degustando aquele sentimento. Mas sei como ela passa – palavras. Quando consigo me expressar, extravasar o que esta dentro de mim e ver pelos olhos do outro aquela situação que desencadeou tudo, é como se meu corpo se transpusesse e tudo passa a fazer sentido e, assim, tenho de volta a estabilidade.

Ele (singular). Tem extrema relevância na minha vida. Relevancia em grau hard. É o possuidor de todas as minhas emoções, o que tem total domínio de me deixar em êxtase ou em violência, em graça ou em melancolia. Mas quem deu esse poder? Minhas expectativas, com certeza. Malditas expectativas, e elas planam na estratosfera.

Já pensei em codependencia. Minha vida gira em torno dele, tudo que faço, tudo que penso, tudo que planejo. Seria falta de amor próprio? Acho que não. Descartei essa hipótese. Sou extremamente independente.

Então seria egoísmo. Ah, isso conheço bem. Ele é o auge do egoísmo. Mas no meu caso é um egoísmo atípico, não posso nivelar. Eu quero tudo em intensidade, e essa potencia não se acomoda somente dentro de mim, precisa ser compartilhada. Acabo sobrepondo à ele essa reserva.

E também tem o trágico egocentrismo. E para que o mundo, se não é para que ele gire ao meu entorno? Afinal é o meu mundo! Mas em um relacionamento, quem entra no mundo de quem? como comportar esses dois mundos em um só? Vou ter que retomar a frustração. Meu prazer esta em dar prazer. Será que me sinto tão áureo e pujante, invejando (ou admirando) a magnificência de Deus, que minha busca está em ser o garantidor da felicidade dele? Não é tão divino assim. Eu quero proporcionar a plenitude, mas isso não sai de graça. Logo, é luciferiano. Espero a recompensa, com uma palavra, um gesto, um olhar. E nem sempre fico saciado, espero que tenha mesma atitude comigo. Mas aí já em um paradoxo psíquico. Algo que eu exijo mas não quero. Gosto de dar, isso me satisfaz. Não gosto que façam por mim. Gosto, acho, mas não tem a mesma paridade de força. A falta de carinho me incomoda, a falta de atenção me angustia, mas o excesso repugna.

Entao por que dar algo que não foi pedido? Isso até sufoca. Vou ter que retomar o egoísmo. Mas daqui um pouco.

Preciso desenredar o que me trouxe incômodo. Sim, o fato de se referir à ex. Questiono por que falou sobre aquilo, questiono a quantidade de vezes que vamos pra cama, questiono a idade, a andropausa, o tesao por mim, o tesao por outras, a rotina, a mesma fenda. Mas também questiono a postura e a falta de amparo e envolvimento com a minha dor. Questiono a negação ao meu clamor. E, novamente, surge a frustração, ou decepção, não sei a diferença entre elas. Eu esperava compreensão e um pedido de desculpas, esperava exprimir o que estava me asfixiando, e não tive nada disso. Não sei, como sempre acontece, se estou certa. Nem todos lidam com os problemas da mesma forma que eu. Ele tem um sistema de simplesmente deixar para o universo, tudo passa num copo e numa tela, e, pronto, quando abriu os olhos, esta tudo resolvido. Não posso exigir que tenha o mesmo meu comportamento. Mas por que so eu devo entender a atender? Essa submissão não me machuca mas me torna displicente. E isso acaba comigo, porque devo estar sempre imersa, o raso eu repudio.

E do nada, tudo perde o sentido. Acaba o encanto pelo nascer do dia, por uma musica que mexe com a gente, pela estrada, por um bom sexo, por uma compra ou se perder por instantes em um livro. Tanto faz. Qualquer coisa, tanto faz. Tudo fica morno, fraco, tedioso. Domino isso, é a chegada da depressão. Minha vida fica mergulhada na insensibilidade e na indiferença.

Ou não é depressão. É só um ato de renuncia. Será que disputo por algo sem propósito? Não me refiro ao amor, desse tenho convicção. Me refiro a lutar por algo que não exige isso, como buscar a virtuosidade de algo que já é virtuoso. Por vezes exaurem-se as queixas, e mais uma vez questiono se elas fazem sentido. Pra mim fazem, naquele momento. No minuto seguinte, já se esvaiu.

E do nada, tudo ganha sentido. Volta o brilho, a leveza, a intensidade, o desejo, a vida. Parece que nada aconteceu, aquele entorpecimento que oxidava lenta e profundamente é como se nunca tivesse existido. Esse é o grande duelo do bipolar, as emoções são sempre vividas no seu ímpeto, sentimos em overdoses.

As vezes da vontade de entregar um manual pra ele pois seria tao fácil lidar comigo usando apenas o interesse e algumas poucas palavras. Mas imagina um manual de 1000 paginas em mandarim! Confesso, não sou fácil. Tem varias pessoas dentro de mim, cada uma quer algo, um pouco de tudo, em tempos diversos, sem sintonia.